quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Indiferença

Tomo meu terceiro copo de água. Estou seca por dentro. Estou bêbada por fora. E eu digo fodas. São 9 horas da manhã e você não me ligou ontem. E eu digo mais um fodas. Minha carne é fraca, meu tempo é curto, minha vida é viver. Quando disse que seria leviana, você não acreditou, me julgou incapaz, riu da minha cara. Otário. Dou gargalhadas sozinha, fumo meu cigarro apreciando o momento. O problema é que ninguém acredita. Mas fodas. Estou aqui te querendo, e você aí, sem saber de nada, sem imaginar nada, sem pensar em nada. Essa sua estupidez me irrita. Mas sabe, eu gosto do que me irrita, do que é difícil, do que é prazeroso. É, todo mundo tem dois lados, lembra? Se estou mostrando meu lado devasso, é porque você não tava lá. Não foi. Não quis. Quer me ver agora? Estarei arranhada, com a boca inchada, cabelo sujo, cara amassada, o sangue pingando. A vida pulsando. Tenho cara de traição? Digo de novo: fodas.

São 10 horas da manhã. Tomo meu quinto copo de água. Minha consciência tem sede. Sede de verdade, sede de vingança. Minha cabeça dói. Você continua sem aparecer, e sinto um leve desconforto aflorar. Metamorfoses. Por que você não me ligou? A culpa é sua. O álcool é o dêmonio engarrafado. Esperando um corpo fraco, um corpo frágil, um corpo vulnerável. Um copo cheio. A saidera. 5, 7, 13 garrafas, a medida da embriaguez acompanha a noite, assim como o feto que vai acontecer, a próxima música que vai tocar, mais uma dose. O que há de errado com você? Porque eu, eu to bêbada. Esse demônio também me trás felicidade. Atrás da porta suplico por você. Não. Prefiro a distância incompleta.

São 11 horas da manhã. Minha bexiga pede penico, mas necessito urgentemente que você saiba uma coisa: a calçada é o lugar dos filhos das putas dos bêbados. Não, não era água. Era álcool puro, evaporando pelos meus poros, embriagando a casa vazia. Transpiro você. Meu tempo de vida diminui a cada cigarro que fumo, a cada bebida que saboreio, a cada respiração ofegante que me dá prazer. E o resultado? Vou morrer amanhã. Meus demônios pessoais se divertem com o mais novo amigo. Bebo pra curar a dor. O telefone pede desesperadamente alguém. O som me incomoda. Me completa. Era você, eu sei. Mas não gosto de atrasos. Cuspo no prato que lambia depois de cada refeição. Você não soube me amar. Meu manual é em alemão e você só pensa na francesa. Imbecil. Não consegue perceber que eu estou aqui?

São 12 horas da manhã. Da tarde. Da noite. Meu cérebro falha. Não consigo me ordenar, não quero me ordenar. Não enxergo o que olho. Com os pés trôpegos, as mãos tremendo, a barriga roncando. Me movo vagarosamente em direção ao léu. Você nem imagina, nem faz idéia da falta que faz. Da raiva que faz. Do nojo que trás. Você me faz bem, me provoca arrepios, calafrios, taquicardia, falta de ar. Me sufoca. Sai daqui. Vem pra mim. Some. Não me deixa. Paz. Solidão.
Ei você. Tchau você.

Minha consciência me esmaga.

Ela dorme no sofá, e no dia seguinte acorda sem se lembrar de nada.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Secura.


Lembranças. Sim,foi o que restou. A saudade parece não caber em mim. A dor. É, ainda dói muito. E acho que não acaba, não vai acabar. Mas acho que se transforma, já está se transformando. A saudade aos poucos vai se acomodar, e só me fazer sorrir quando eu lembrar. A dor só vai me levar a sentir mais saudade, e não à revolta como antes acontecia. Tenho certeza disso.
Agora já consigo pensar. Diferente de tempos atrás, quando eu me esforçava pra não lembrar. Olhar aquela foto me faz te sentir perto; me faz querer um abraço, bem forte. Me faz querer trocar meu mundo por alguns minutos do que já foi.
Amanhã, faz um ano. Vi meu mundo desabar em segundos. Me vi sozinha, chorando sozinha. Sem abraços dizendo que tudo ia passar. Fiquei sem chão, sem ar, sem você. Eu não pude ser frágil, eu não pude chorar você. Quis ser forte pra mim. E fui. Fui muito forte. Fui forte da mesma forma que você era.
Hoje, eu não sou mais aquela menina que você deixou aqui. Em um ano as coisas mudaram muito. Aqui dentro se formou uma secura. Uma frieza. Neste tempo, entendi que juras e promessas de "pra sempre" são quebradas. Eu pensava que podia proteger e ser protegida. Agora sei que não.
Vou ficar bem, vou me acostumar. Sabe por que ? Porque não existe no meio dessa secura nenhum remorso, nenhuma culpa. Te dei meus melhores sorrisos e minhas palavras mais sinceras. Consegui te dizer o quanto te amo, claramente, com todas as letras. Não deixei nada pra depois, não guardei sentimentos. E hoje guardo 15 anos das melhores lembranças.


. Licença poética para os pronomes oblíquos em início de frase.